
Livro digital ameaça mercado editorial tradicional
São Paulo – O investimento não só na compra e venda de livros,
mas em oferecer serviços relacionados ao conteúdo foi uma das soluções
encontradas pela indústria editorial em resposta ao avanço do livro
digital entre os consumidores. Em estudo realizado na Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, o pesquisador
Lemilson José Cavalcanti de Almeida preocupou-se em observar os impactos
sofridos pelo sistema de propriedade intelectual com a inserção dos
livros digitais no mercado editorial. A pesquisa de mestrado teve a
orientação do professor José Augusto Giesbrecht da Silveira.
Para o estudo, o administrador realizou um levantamento histórico sobre
políticas de propriedade intelectual na França, Inglaterra, EUA e
Brasil. Além disso, buscou entender porque as editoras atuais tem
investido na oferta de livros digitais, se é a política de copyright que
mantém seus rendimentos.
Segundo Almeida, a digitalização de publicações permite o
compartilhamento em redes sociais e torna difícil o controle da difusão
das obras com direitos. Assim, um dos caminhos encontrados pelo mercado
editorial é transformar o livro em um serviço, não mais um produto. “A
oferta de serviços torna possível ‘vender’ o conteúdo intelectual sem a
coerção da proteção jurídica do copyright” diz o pesquisador.
Perspectiva histórica
No levantamento histórico realizado, o autor deparou-se com assimetrias
nas legislações referentes à propriedade intelectual. As primeiras
editoras surgiram na Inglaterra, a partir de associações de livreiros e
editores. Estes compravam o direito de uma obra e reproduziam-na a fim
de receber os rendimentos das vendas. Dai surgiu o conceito de
copyright, o qual entende-se como o direito adquirido para exploração
comercial de uma obra.
Na França, atribuiu-se às obras o direito moral do seu autor, que é
inalienável. Ou seja, ainda que sejam negociados os direitos de
reprodução do livro, o autor sempre terá um vínculo com os rendimentos
de venda. Ao debater direitos de propriedade intelectual, os franceses
separavam direito de venda do direito de autor, dando prioridade ao
autor. Essa concepção influenciou a regulamentação brasileira.
No entanto, Almeida diz que não é adequado admitir que certa regulação é
melhor, pois cada país adota regulação mais alinhada ao consenso de sua
população. Em uma primeira leitura, é possível considerar que o
processo francês poderia ser mais justo com os escritores, ou com a
sociedade, por garantir que o acesso a uma leitura não ficaria atrelado a
interesses financeiros. No entanto, a publicação de livros, neste país,
estava relacionada ao patrocínio ligado a particulares, portanto o
conteúdo que não correspondesse a certas expectativas pessoais ficaria
sem financiamento.
Já nos EUA, a fim de equilibrar o livre-comércio e o bem estar social,
algumas obras protegidas por copyright poderiam ser utilizadas
dependendo da necessidade, num conceito chamado fair use (uso justo). “O
limite imposto pelo fair use serviu para proteger o domínio público em
oposição ao domínio privado com o intuito de promover a educação” diz
Almeida. No contexto do fair use, a duração do copyright nos EUA era
menor que na Inglaterra, por exemplo.
Diante os conflitos entre as editoras e a legislação dos países, viu-se
a necessidade de criar regras internacionais para a venda de obras, o
que originou, no século 19, a Convenção da União de Berna. A influência
nas discussões era, principalmente, francesa, e por isso, os EUA e a
Inglaterra só aceitaram participar das discussões no final do século 20.
Só em 1988, em uma das convenções, os EUA reconheceram o aplicação do
copyright conforme o entendimento francês.
Essa tentativa de alinhar os países quanto aos interesses editoriais de
publicação criou algumas falhas em relação ao registro de autoria, que
se fazem notar agora, na expansão das publicações digitais. Segundo
Almeida, na definição para registro autoral, a insenção da necessidade
de registro de um obra para considerar sua autoria permitiu o surgimento
de obras órfãs, ou seja, sem autor e, portanto, expostas a
desentendimentos do controle de reprodução.
Almeida também realizou entrevistas com 2.300 leitores em São Paulo a
fim de avaliar a propensão destes a utilização dos livros digitais, e
percebeu que o uso do livro digital ainda depende da mudança de hábito
da população. “A organização do mercado se faz também pelo âmbito
social, ainda que envolva as instituições privadas” diz o autor.
A resposta talvez seja encontrar formas de negócio que se tornem
independentes dos questionamentos impostos pelo copyright. “Observamos
que os grandes grupos editoriais estão se tornando grandes grupos na
indústria de Educação e Tecnologia” diz Almeida, e cita a Amazon, que
oferece não só livros digitais para compra, mas também a assinatura do
acervo de livros para leitura online.
Para o autor, a produção literária não sofre influencia do argumento da
doutrina capitalista de que a produção só é estimulada se houver lucro.
“A criação artística tem impulso mesmo sem copyright” diz Almeida. Além
disso, ele acredita na adaptação e evolução da produção editorial,
mesmo num cenário de queda das vendas. “A indústria editorial já
demonstrou ao longo de cinco séculos que é um setor resiliente. A
adaptação é custosa, mas o setor certamente irá se reposicionar na nova
ordem.”
Fonte: http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/livro-digital-ameaca-mercado-editorial-tradicional